quarta-feira, 5 de maio de 2010

Cegos Somos Nós

7:55 da manhã. Entrei no ônibus a caminho da agência.
Só havia um banco livre, com um homem sentado ao lado da janela. Sentei.
Me acomodei ao seu lado e coloquei meu singelo fone de ouvido com mau contato.
Quadras vão, ruas vêm. Este homem, também com fones de ouvidos, reproduzindo a rádio 98 FM (olhei no celular dele), começa a abrir um sorriso contagiante, despreocupado com qualquer adversidade.
Rindo sozinho, por certo pelo conteúdo chegando aos seus ouvidos, muitos olham julgando-o mentalmente como louco.
Logo o celular do homem toca. Ele atende pelo viva voz, conectado aos fones.
No outro lado da linha alguém fala de campeonato (não sei do quê) e ele mais rí do que conversa.
Dois minutos depois, outra ligação. O homem começa a contar que trabalha pela prefeitura, e explicar que softwares para deficientes visuais são diferentes para Windows e para Linux.
Sim. O homem ao meu lado é cego e eu não havia dado conta disso.
Foi aí que reparei em seus pertences: Bengalinha para andar dobrada na mochila e óculos escuro arredondado nas bordas.
A riqueza de detalhes do meu texto nem se compara com a riqueza de caráter e superação do homem em questão.
Mas quem era aquele homem? Como pôde ir trabalhar logo cedo dando risada e conversando alegremente, se era cego?
Por alguns minutos perplexiei pela forma com que esse meu amigo desconhecido parecia encarar a vida. Me coloquei em seu lugar e ainda me pego pensando como seria ser deficiente visual.
Nós estamos mal acostumados a enxergar o mundo do alto das poltronas de nosso apartamento ou da sacada do sobrado.
Ponha-se no lugar de uma pessoa cega e enxergue a realidade do mundinho em que vivemos, em que nada está bom e reclamamos do Sol, da chuva, do vento e do frio. Um deficiente visual não consegue nem ver se é dia ou noite.
Se tivéssemos esta mesma deficiência garanto que preferiríamos a morte.
Onde quero chegar é que o ser humano se entrega fácil, desisti por quase nada. O quase é o pior.
Fica o exemplo do meu amigo do ônibus que nem sei o nome, mas que humilha qualquer outro nome em matéria de humildade e de não abatimento com nada.

Ele estava ali. Pronto, sem reclamar do horário que acordou e, o mais importante: sem se queixar da vida que Deus lhe deu. Nada é mais relevante do que isso.

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